segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Why Don’t You Play in Hell? (Jigoku de naze warui, 2013)


Sion Sono é um dos maiores diretores do moderno cinema japonês, ponto. A cada filme lançado minha convicção sobre isso aumenta. É constante também a qualidade de suas produções, sem tantos tropeços como as de Takashi Miike. Aí entra o porém: Miike já é prolífico demais, e visita muitos gêneros, daí os seus altos e baixos. Assim como Miike, Sono também se consagrou fazendo um cinema calcado na violência e demais tabus, mas nunca se limitou ao gore, o exploitation pelo exploitation. Comparações entre os dois devem se resumir ao fato de ambos serem japoneses, estarem vivos e produzindo e que possuem sensibilidade cinematográfica suficiente para trabalhar em várias frentes, na maioria das vezes na mesma história.

Também sinto na obra de ambos, do mais "mainstream" filme de samurai recente do Miike ao drama familiar de Sono sobre (e não somente) a situação de paranoia nuclear pós Fukushima, o que vou aqui chamar de tesão por simplesmente estar gravando um filme. E pode-se dizer que a ânsia de filmar (e desprezo ao cinema mecânico) é o tema principal desse seu último filme lançado, cujo título em inglês é "Why Don’t You Play in Hell?".

Olho para a minha estante e vejo um DVD de "Cecil B. DeMented", onde John Waters critica abertamente o tal do cinemão norte-americano. Mais uma vez me entrego a comparações sem razão de existir, já que mesmo compartilhando uma ideia principal, se distanciam na forma e também na narrativa. A trupe liderada por um cineasta amador completamente apaixonado pela arte do filme japonês não é terrorista, tal qual no filme-manifesto de Waters, mas também está disposta a morrer pelo cinema: após gravar um filme realmente digno de ser chamado de filme. Sinto o mesmo tesão pelo ato de fazer cinema em Waters, movido pelo amor e a vontade de contar histórias por esse meio como todos aqueles que surgiram amadores e mantiveram o seu espírito independente.


Na trama, Sono se aproxima de outro japonês apaixonado pela sua profissão: Takeshi Kitano. Ora, a Yakuza está para o cinema japonês o que a máfia italo-americana está para Hollywood, mas poucos antes do Beat (e posso estar falando uma besteira tremenda) tratou o tema de forma tão sensível. Sim, a Yakuza está presente nessa história, como não poderia deixar de ser. Um tanto mais escrachada, é verdade, já que o diretor em nenhum momento se leva tão a sério aqui. Definitivamente não é um drama, apesar de não amarras a gênero nenhum.

Vou tentar explicar sem rodeios dessa vez.

No início, formato 4:3, mostrando um comercial de pasta de dente estrelando uma pequena garotinha nipônica com ares de idol infantil e cantando um jingle grudento. Mais tarde é revelado que tal menina (Mitsuko, cuja versão adulta é interpretada por Fumi Nikaido) é filha do chefe de um clã Yakuza (Muto, interpretado por Jun Kunimura; o "Boss Tanaka" decapitado por Lucy Liu naquele flashback do volume 1 de Kill Bill), nesse momento inicial em luta com outro grupo. Também somos apresentados a uma trupe de cinéfilos adolescentes, liderados pelo "diretor" Hirata (Hiroki Hasegawa) começando suas tentativas com 8mm. Todos cheio de sonhos povoados por filmes de ação.


Além das muitas risadas já nos é mostrado um pouco da violência quase cartunesca que irá povoar em excesso muito bem vindo a sequência final, em gore comparável aos trabalhos anteriores dos seus dramas sobre o terremoto, tsunami e o acidente nuclear de Fukushima (se destaca o ótimo "The Land of Hope"), tal qual "Suicide Club", "Noriko's Dinner Table" e o mais recente "Coldfish". Até um pouco da genialidade semiótica de sua obra prima "Love Exposure" está presente.

Dez anos depois dos apontamentos iniciais os Fuck Bombers ainda não conseguiram produzir um grande filme, Mitsuko não emplacou a sua carreira como atriz, objetivo que obceca o seu pai, principalmente com a proximidade da saída de sua mulher da prisão. Uma sequencia de eventos acaba juntando as duas partes da história, por intermédio de outro personagem vindo do primeiro arco, e essas com uma terceira: o chefe do outro clã Yakuza, Ikegami, que é completamente apaixonado por Mitsuko desde... bem, não quero contar demais.


O importante é saber que tudo se encaixa no momento certo, e os Fuck Bombers acabam tendo a oportunidade de filmar que estavam esperando há tanto tempo, com orçamento generoso e em 35mm. Em certa cena um puxão de orelha do diretor a essa geração que nem ao menos sabe o que é película, frutos de um mundo cada vez mais dominado pelo digital. A ação a ser filmada é bastante real, mas isso não assusta Hirata, pelo contrário. O resultado é puro deleite grindhouse, repetindo: beirando o cartunesco. 

"Why Don’t You Play in Hell?" é a grande carta de amor de Sion Sono ao seu ofício, um "viva!" para os apaixonados por cinema (com culhões!) espalhados pelo mundo e para aqueles que de tanta paixão e tesão decidem se aventurar e, às vezes com mais vontade que talento tal qual Ed Wood, contar histórias através da película cinematográfica. Me arrependo por ter demorado tanto a ver esse filme, que já está entre os meus favoritos do japonês, e sem dúvida é uma das suas produções mais excêntricas - ao lado de "Love Exposure", claro.

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