segunda-feira, 15 de setembro de 2014

If Everyone Was Listening


Houve um tempo que o nome de Steven Moffat, junto do título do episódio, era garantia de qualidade, como o selo Nintendo no cartucho do joguinho. Num belo dia o escriba co-autor de Coupling assumiu a batuta de showrunner, e todo mundo achava que isso transformaria automaticamente todos os roteiros em coisas épicas como eram os seus episódios durante as outras quatro temporadas. Não foi bem isso que aconteceu, e as suas próprias histórias começaram a serem vistas como ruins ou medianos por uma legião de fãs rancorosos (ou não), salvo algumas exceções. Outros roteiristas se destacaram entregando essa qualidade que antes era vista em Moffat Episodes, como os poucos de Neil Gaiman. Mas o homem de vez em quando acerta, como em "Listen", episódio deste sábado dia 13 de setembro de 2014 Anno Domini (status do Palmeiras na rodada: incrivelmente houve algum esforço, não fosse o goleiro, erros absurdos, as inúmeras chances perdidas e arbitragem... enfim, era esperada a derrota).

E quando digo "acerta", não quer dizer que a experiência foi passável, como o primeiro episódio desta temporada. Acertar é jogar num nível de jogo comparável às suas melhores partidas da era Russel T. Davies: "The Empty Child" "The Doctor Dances" "The Girl in the Fireplace" (meu favorito, principalmente pela abordagem histórica inteligente e sensível) "Blink" etc. A essa lista adiciono "The Eleventh Hour", primeiro da sua era. por ser senão o melhor um dos melhores episódios de apresentação de todas as temporadas, incluindo aí a série clássica - e forçando um pouquinho a barra, já que o meu conhecimento da clássica nem é tão grande assim.

Claro que "Listen" possui muitos dos tropes favoritos do seu roteirista, mas aproveitados da maneira correta. Clichês emaranhados, sem deixar de ser bom. Não tinha visto nenhum teaser referente a tal episódio, portanto só hoje fiquei sabendo que um tanto daquele monólogo inicial fazia parte de vídeo já divulgado pela BBC. Ora, pois realmente possui o formato de material de "promoção", mas também vira um elemento muito interessante da narrativa. Gosto de ver a quarta parede ser quebrada, como nos inícios dos filmes de Zé do Caixão. Pra não dizer que não sabia nada dele, havia visto o preview apresentado ao final do episódio passado. Sabia que o tema do episódio seria "medo", e a possibilidade de outra história de "terror" me deu um misto de animação e "mas de novo?". "Listen" não é da leva de episódios "de susto", de forma alguma.

Os momentos centrados em Clara e o professor ex-soldado (e que agora oficialmente está em um relacionamento com a Companion professorinha mais odiada) Danny - Rupert - Pink possuem a dose de humor e tensão sexual (afinal de contas se trata de um encontro) que Moffat costuma dar aos seus roteiros, mas que nem sempre funciona. É bom lembrar que tal gosto por diálogos cômicos em relacionamentos vem da época em que escrevia Coupling. Se no segundo episódio os momentos entre os dois só me causou vergonha alheia, aqui consegui aceitar esse sentimento como parte da comédia. Até parece que nunca viu seriados ingleses de comédia!

Ao mesmo tempo que em "Into The Dalek" achei que a introdução do referido personagem parecia ser apenas uma desculpa para um romance da Clara, acabando com a tensão que havia entre ela e o Doutor (ao menos com o Matt Smith), no fundo confiava que ele teria importância central nos acontecimentos vindouros na temporada. Essa importância é evidente nesse episódio, e ao menos para mim fica claro que logo mais ele será introduzido na Tardis, apesar da Clara ainda não ter revelado sua relação com o garotinho Rubert Pink (que mais tarde mudaria o seu nome para Danny e entraria no exército por sugestão indireta de Clara no passado) e o seu possível descendente Orson Pink, o primeiro humano viajante do tempo, 100 anos no futuro. Muitas viagens no tempo neste roteiro, mas com a trama um pouco mais arrumadinha e determinista do que estávamos nos acostumando a ver.

Já disse que o tema principal é o medo, na sua manifestação mais infantil. Pois bem, teoriza o Time Lord, e se uma criatura, com a evolução da sua espécie, aperfeiçoasse o suficiente a sua capacidade de se esconder ao ponto de dividir o mesmo espaço de humanos? Mas em algum momento, no meio da noite, resolve puxar a perna do pobre garotinho que acordou assustado. Já tivemos um bicho-papão em Doctor Who, criaturas moradoras do espaço existente embaixo das camas e que puxam pernas, se anunciando no meio da madrugada, também fazem parte do universo do medo infantil da noite, junto dos barulhos específicos e alucinações causadas pela escuridão. Esse "medo" em específico acaba por não ser o foco, e sim todo o sentimento, exemplificado pelo discurso do Doutor para o guri e, ao final, o de Clara para outro guri (você sabe quem) em outro planeta. O medo é um superpoder, ao passo que o mantém alerta e capaz de revidar, mas também pode ser um companheiro, já que é preciso aprender a conviver com ele.

Chover no molhado elogiar a atuação de Capaldi, e aqui ele foi mais Shakespeariano do que todos os anteriores juntos. Jenna também teve seus bons momentos, apesar das limitações da personagem. Brinco, mas adorei a Clara professorinha de primário com o pequeno Rupert, assim como achei muito bonito seu tratamento quase materno com o pequeno Doutor. Algo nessa visita da moça ao Time Lord num período nunca antes explorado na série me incomoda, e como se não bastasse suas ações acabam por motivar grande parte da trama. O circulo se fecha, aqui, na Garota Impossível, como se não tivessem inventado importância o suficiente para a professorinha. Mas como finalmente estamos vendo desenvolvimento de personalidade, bem... tenho que abstrair!

Me impressiona a quantidade de supostos fãs de Doctor Who reclamando da ambiguidade deste episódio em comentários de reviews e em fóruns pela internet. Muitos querendo respostas fáceis, mastigadas, e o foco na criatura que se espera do seriado. Ou ao menos do que essas pessoas ainda acham que faz o seriado ser o que é. Não vou descer de nível chamando o povo de burro e o escambau, mas é por causa de episódios assim (que já existiam na clássica, apesar do seu foco mais infanto-juvenil, coisa que a nova também é em diversos momentos) que gosto tanto da série. Vai ver que é por isso que até tenho um certo apreço ao Doctor Who do Moffat: os tropeços são evidentes, mas oferece uma boa variedade de episódios: uns mais introspectivos e "cabeça" que nem esse e outros mais voltados para a ação. A não existência de um vilão pode incomodar também. Mas faz tudo parte desse show. Adoro odiar o Moffat, taí uma verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário